O Efeito Deletério da Descontinuidade do Perse
08/abr/2025
Por Luiz Fernando Rodriguez Júnior Advogado, Economista, ex-Secretário de Estado do Turismo e sócio de Carrion Advogados
O setor de Eventos e Turismo, enquanto complexo sistema de interações econômicas e culturais, experimenta uma fragilidade exacerbada, clamando por intervenções fiscais que mitiguem os ainda existentes impactos deletérios da pandemia. Ignorar este pleito é negligenciar a miríade de atores econômicos dependentes da vitalidade deste setor, cujos reflexos da redução de eventos e viagens ainda reverberam com força. É sempre bom lembrar: essas empresas foram as primeiras a sofrer os efeitos da interrupção de atividades e também foram as últimas a poder reabrir! No contexto hodierno, a escassez de público, que aqui simbolizo com a imagem de aplausos atenuados em volume e dos refletores lutando contra as sombras da crise, expõe a urgência de um olhar atento e estratégico. Nesse sentido, a desativação prematura do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), concebido como um oxigênio para empresas asfixiadas pelas restrições, configura um golpe fatal, lançando um setor essencial em um abismo de incertezas e, por extensão, desafiando os preceitos da Análise Econômica do Direito (Law and Economics).
- A Descontinuidade do PERSE na ótica da Análise Econômica do Direito:
A Análise Econômica do Direito, com expoentes como Richard Posner, preconiza que as normas jurídicas devem ser avaliadas à luz de sua eficiência econômica, buscando maximizar o bem-estar social. A descontinuidade do PERSE, sob essa perspectiva, revela-se uma decisão economicamente ineficiente, na medida em que desconsidera os custos de transição abruptos e a externalidade negativa gerada pela potencial ruína em massa de empresas do setor. Veja-se que em cenários fiscais internacionais hoje se cogita, sim, é quanto à concessão de incentivos fiscais a fim de atrair novos eventos e aumentar o investimento em Turismo. Essa medida da interrupção do PERSE vai na contramão dos movimentos econômicos projetados de proteção ao setor.
Mais ainda, veja-se que Ronald Coase, em sua seminal obra “The Problem of Social Cost”, editada há décadas e ainda tão atual para o momento da economia brasileira, demonstra que a alocação eficiente de recursos depende da minimização dos custos de transação. Ora, a revogação súbita do PERSE impõe custos de transação elevados às empresas, que necessitarão, quiçá, inclusive vir a renegociar contratos de fornecedores, reestruturar suas operações e buscar novas fontes de financiamento, desviando recursos de investimentos produtivos. No entanto, pensar em empréstimos em época na qual a SELIC aproou para um horizonte que tende a ser superior a 14,75%, não parece ser uma possibilidade cogitável, dada a redução da capacidade econômica de quitação pelas empresas.
A descontinuidade do Perse gera sérias externalidades negativas para a sociedade, como a inferência do aumento do desemprego no setor, da redução da capacidade de suportar o pagamento dos tributos incidentes nos negócios e da perda de dinamismo econômico. Essas externalidades, não cogitadas e cogitáveis pelas empresas, representam um custo social que supera quaisquer dos benefícios para a arrecadação tributária do Governo Federal. O que precisamos, hoje em dia, é da continuidade dos empregos e da manutenção da renda das famílias, essencialmente através de salários a serem pagos pelas empresas. O que não podemos sequer cogitar é o aumento daqueles que, hoje empregados, venham a necessitar utilizar assistência financeira temporária paga pelos benefícios previdenciários e sociais, em face da eventual impossibilidade de manutenção de empregos pelas empresas do setor.
- Um Diagnóstico Econômico-Jurídico do impacto para o Setor:
O setor de eventos, reconhecido como proporcionalmente um dos maiores empregadores do país, enfrenta a iminente ameaça de ter sua estrutura laboral atingida. A descontinuidade do PERSE, ao precarizar as condições financeiras das empresas, induz a um ciclo vicioso de redução do emprego, redução da massa salarial e retração do consumo de serviços, desafiando os princípios de justiça social e desenvolvimento econômico sustentável.
Assim, a supressão do Perse, ao reonerar as empresas com uma carga tributária insuportável, estrutural e conjunturalmente, compromete sua capacidade de gerar receita e, consequentemente, de contribuir para a arrecadação tributária. O que diria Jean-Baptiste Say – no século XIX – ao ver que uma operação de mercado restará profundamente impactada pela opção do Governo Federal em interromper o benefício fiscal do PERSE? Me parece lícito inferir resposta de que não há como a oferta de serviços do setor de Turismo e Eventos manter sua própria demanda, vez que o fim do PERSE trará desestimulação da atividade resultando em espiral descendente de retração econômica, reduzindo proporcionalmente a própria arrecadação do Governo Federal.
Não temos a pretensão da vidência, mas “pode-se estar colocando fora” as ações do Ministério do Turismo pelo aumento da atividade do Setor, dada a incerteza gerada pela descontinuidade do PERSE, que infelizmente deverá paralisar investimentos em novos projetos e tecnologias, comprometendo a capacidade do setor de se modernizar, inovar e competir no mercado global.
É evidente que Joseph Schumpeter sequer poderia cogitar sobre a complexidade da atuação empresarial no cenário fiscal da futura República Federativa do Brasil, mas é viável inferir que em sua teoria da “destruição criativa”, onde a inovação é o motor do desenvolvimento econômico, a simples supressão de incentivos fiscais poderia ser vista – pelo autor – como elemento suficiente a sufocar a capacidade de empresas de investir em pesquisa e desenvolvimento.
- A Violação de Princípios Constitucionais e a Jurisprudência do STF e STJ:
A descontinuidade do PERSE, para além das implicações econômicas, afronta princípios constitucionais basilares, como a segurança jurídica, a proteção da confiança legítima e a anterioridade tributária, conforme delineado por juristas renomados como Celso Antônio Bandeira de Mello, Roque Carrazza, Paulo de Barros Carvalho e Humberto Avila.
A súbita interrupção de um benefício fiscal previamente concedido, súbita porque não é crível que o contribuinte, com toda a gama de obrigações fiscais que já deva executar, tenha que ele próprio acompanhar relatórios fiscais da autoridade tributária quanto ao “atingimento de teto global de gasto tributário federal” (vide art. 4º-A da Lei 14.859/24). Ao nosso sentir, a ausência de um período de transição razoável para o planejamento fiscal do contribuinte, que minimamente observe a integralidade do exercício fiscal em curso, colide com o princípio da segurança jurídica, que exige a estabilidade das relações e a previsibilidade para as condutas ante as normas. Da mesma forma, a proteção da confiança legítima é erigida para impedir que o Estado frustre as expectativas legítimas dos contribuintes, que confiaram no desiderato da lei anterior para planejar seus negócios e investimentos.
Embora a descontinuidade do PERSE não crie um novo tributo, ela implica aumento indireto da carga tributária durante o vigente exercício fiscal, na medida em que suprime um benefício fiscal existente. Nesse sentido, a medida pode ser questionada à luz do princípio da anterioridade tributária, que exige um período de transição para que os contribuintes se adaptem às novas regras fiscais.
Não queremos aqui fazer a colação de julgados das Cortes Superiores, seja constitucional ou de justiça, mas é legítimo que façamos referência a que, tanto o STF como o STJ, têm sobejamente decidido em favor da proteção da segurança jurídica e da confiança legítima, especialmente em matéria tributária. A título de exemplo, o RE 473.645 demonstra a preocupação do STF em mitigar os impactos negativos da revogação de benefícios fiscais, exigindo a observância do princípio da anterioridade.
Quero compartilhar uma preocupação que espero a história não venha a registrar: a busca de muitos empresários por medidas judiciais questionando a interrupção da fruição dos benefícios do PERSE. Veja-se que é lícito que assim o façam no limite do que aconselhados por seus advogados. Mas é possível que alguns adotem estratégia jurídica de pagar e proceder a arguição de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade em juízo, e outros eventualmente possam adotar o procedimento do depósito judicial, enfim exsurge uma gama de possibilidades jurídico-processuais para a defesa de interesses legítimos. Mas o alerta central pertinente ao que destaquei ao início é de que neste setor há, por evidente, um bom volume de contratações públicas de serviços, sendo que a regularidade fiscal é condição para contratar com o Estado!
Veja-se então o drama Kafkiano: o Governo Federal interrompe a fruição do benefício fiscal, de forma antecipada ao prazo final e com clara ineficiência econômica, e a obrigatoriedade da própria norma de contratação pública reforça a exigência de comprovação do pagamento dos tributos federais!
- O cerne da questão fiscal: o limite do gasto tributário!
Para trazer agilidade ao exame, que aqui não comporta análise outra que não seja prefacial, vamos reproduzir o texto do art. 4-A da Lei nº 14.148/21, na redação dada pela Lei nº 14.859/24, que infelizmente teve essa redação:
“Art. 4º-A. O benefício fiscal estabelecido no art. 4º terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais), o qual será demonstrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas de que trata o art. 4º que foram consideradas habilitadas na forma do art. 4º-B desta Lei, com desagregação dos valores por item da CNAE e por forma de apuração da base de cálculo do IRPJ, sendo discriminados no relatório os valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado, ficando o benefício fiscal extinto a partir do mês subsequente àquele em que for demonstrado pelo Poder Executivo em audiência pública do Congresso Nacional que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado.”
Um dos primeiros cotejamentos possíveis, considerando que o programa tinha o prazo original de 60 meses a contar do reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020 — que garantiria isenções ao mínimo até o início de 2027 — é de que houve lapso no cálculo do montante necessário para fruição do benefício fiscal, nos termos em que estipulado pelo art. 14 da Lei Complementar nº 101/2001, o que de forma nenhuma pode ser arguido em prejuízo ao contribuinte como comportamento suspensivo de direitos, vez que o acompanhamento fiscal é exercido em endereço eletrônico da Receita Federal do Brasil.
Mais ainda, o PERSE foi sinalizado como verdadeira salvaguarda por prazo de 5 anos, considerando que o Setor de Eventos e Turismo teve suas ações fortemente atingidas pela Pandemia, com empresas de hotelaria, turismo, espetáculos, eventos, e gastronomia suportando cortes em mais da metade de seus faturamentos. A razão principal do PERSE era e deve continuar sendo a de ajustar – no tempo – o fluxo de receita disponível para que essas empresas possam se manter em atividade e viabilizar capacidade de continuar gerando postos de trabalho.
Recente decisão do Supremo Tribunal Federal, de 21 de março de 2025 no Recurso Extraordinário (RE 1473645 – Repercussão Geral) em relação ao “Tema 1383” nos trouxe a seguinte dicção, a saber: “O princípio da anterioridade tributária, tanto geral quanto nonagesimal, é aplicável aos casos em que a diminuição ou a extinção de benefícios ou incentivos fiscais acarrete um aumento indireto do valor dos tributos a serem pagos, observadas as determinações e as exceções constitucionais para cada tributo.” (Informação STF nº 1170)
É vital sinalizar ao Governo Federal que o julgamento do TEMA 1383 pelo STF milita em favor da fixação de um autêntico marco definitivo da proteção da segurança jurídica aos contribuintes em face de alterações fiscais no decorrer do exercício fiscal, notadamente quando venham a aumentar a carga tributária efetiva.
Para o contribuinte – que já está totalmente absorvido pelas dificuldades em manter suas operações em andamento, a existência de um benefício fiscal gera a legítima expectativa de sua continuidade até o prazo final dos 60 meses, e isso nos parece sinalizado pela novel reafirmação de jurisprudência feita pelo STF.
- Um Apelo à Racionalidade e à Justiça Tributária:
Diante deste intrincado cenário, a continuidade do PERSE emerge como uma medida imperativa, não apenas para preservar a saúde financeira das empresas do setor de Eventos e Turismo, mas também para assegurar o respeito aos princípios constitucionais e a imprescindível eficiência econômica. A supressão abrupta deste programa, desprovida de uma análise criteriosa de seus impactos através da oitiva do setor e de seus inúmeros atores, e desconsiderando a jurisprudência consolidada dos Tribunais superiores, representa um retrocesso para o desenvolvimento econômico e social do país, desestimulando a atividade empresarial e comprometendo a confiança dos investidores.
Antes de encaminhar a conclusão, torna-se vital trazer uma referência de todo diferenciada! O estado do Rio Grande do Sul foi duramente atingido pelas enchentes de 2024, e essa autêntica elevação dos impostos federais para as empresas do setor de Turismo e Eventos ameaça a recuperação econômica do seguimento no estado, especialmente para as pequenas e médias empresas, que representam a maioria do setor. Como referenciamos, a realidade do anúncio efetuado pela Receita Federal de autêntica recomposição dos gravames da carga tributária aumenta o risco de demissões, da busca pela proteção da informalidade e da consequente perda de competitividade, desestimulando o investimento e a retomada do turismo. O RS é um estado que sofre as consequências da situação econômica do Brasil, mas que também pela situação geográfica está umbilicalmente vinculado com os países do Mercosul, o que trará repercussão também com o Turismo binacional feito com Argentina e Uruguai.
Para mitigar esses impactos negativos, é crucial que o governo federal, com o engajamento do governo do estado, considere medidas outras como a criação de um programa similar, o lançamento de linhas de crédito com juros equalizados, a adoção de incentivos fiscais para empresas que investirem em reconstrução, adaptação e investimento em aumento de capacidade instalada ou implantação de novos projetos. Ações sensíveis e responsáveis são essenciais para apoiar a recuperação das empresas e a retomada do desenvolvimento econômico deste importante setor do Turismo e Eventos no Brasil.
- A conclusão óbvia e de clareza solar:
A conclusão não poderia ser outra, senão a de enfatizar, com clareza solar, que é imperioso que o Governo Federal e o Congresso Nacional, à luz dos princípios da eficiência econômica e da justiça tributária, reconsiderem a decisão de descontinuar o PERSE, buscando alternativas que conciliem a responsabilidade fiscal com a necessidade de apoiar um setor vital para a economia brasileira.
A persistência no erro da descontinuidade do PERSE ou mesmo de sua não qualificação normativa, ao negligenciar os fundamentos da racionalidade econômica e da segurança jurídica, trará um legado de incertezas, com eventual cenário de débâcle econômica, de desconfiança, maculando – ainda mais e de forma internacional – a reputação do Brasil como um ambiente seguro e previsível para os negócios.
Não podemos terminar este texto sem fazer as melhores referências ao denodo e afinco com que importantes entidades do setor, como Abrape, Abrafesta, ABIH Nacional, Ubrafe, Fecomercio, Ampro, RSNasce, enfim todos aqueles atores que têm se envolvido na defesa da continuidade do PERSE como elemento central para a recuperação e consolidação do setor de Eventos e Turismo no Brasil.
Acreditamos, incansavelmente, que há – ainda, oportunidade e tempo, mas com a urgência que a matéria requer, para que o Governo Federal – com o auxílio do Congresso Nacional, possa estabelecer um canal de negociação com as entidades representativas do Setor para fins de construir solução que atenda aos pleitos legítimos – formulados pela economia de eventos e turismo do Brasil – quanto à continuidade dos benefícios fiscais do PERSE.